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Um monte de números pra gente parar de fazer conta.
Bobagens Imperdíveis

Bobagens Imperdíveis Ano 3 Edição 118
vida / gente / livros

Mulher de trinta

 
Ontem será meu aniversário; coisa esquisita de dizer, mas é uma dessas mágicas de escrever um e-mail sobre algo que acontecerá no futuro, e que, ao ser enviado, já pertencerá ao passado. O que, no final das contas, faz pouca ou nenhuma diferença, se resolvi, eu mesma, declarar que a comemoração do dia 22 já valeu como oficial.

A gente tem uma mania de criar essas marcas de passagem de tempo, né? Hoje dispenso esses checkpoints da vida porque, pensando bem, nunca fui lá muito boa em cumpri-los.

Entrar na faculdade aos 17 – não rolou. Tirar carteira de motorista aos 18 – nunca aconteceu. Formatura aos 21 – também não. Ter filhos, uma casa e dinheiro antes dos 30 – não, não e não.

Então tudo bem adiantar aniversário e, mesmo quando o número a ser celebrado é assim redondinho, perceber que ele não vai fazer um portal magicamente se abrir na minha vida. Que não é uma marca nem mais nem menos importante.

Parece até que a gente fica criando essas marcas enquanto as da pele não vêm.

Esbarrei por acaso com uma matéria daquelas “pesquisas apontam”. Dizia que os jovens com 30 anos estão insatisfeitos e infelizes no trabalho. Buscam o sucesso financeiro e se frustam quando chegam à marca dos trinta, aquela que carrega a expectativa de final de temporada, e ele não está lá.

Também esses dias, quase que por um magnetismo temático, vi uma conhecida comentando que se sentia triste com a chegada dos 30, porque tinha a sensação de que ainda não conseguiu ser a pessoa que gostaria de ser.

A marca dos 30, coitada, carrega o estigma de ser um ponto de chegada. Que se passou por ali, precisa ter conquistado algo. Precisa ser alguém. Como se fosse um cronômetro apontando que a hora da brincadeira acabou, que você teve todo o tempo para se formar, que é bom ter se tornado algo, que aquilo que você trouxe até ali é o que vai carregar para o resto da vida.

Como se a gente fosse cimento fresco, que aos 12 tá super líquido e fácil de moldar, aos 18 já endureceu um bocado, aos 25 é melhor já ter tomado alguma forma, porque aos 30 vai virar concreto sólido.

Mas como é que a gente acreditou nisso? E mais: como é que a minha geração, a geração Sailor Moon, a geração soprar cartucho de vídeo-game, poxa, a geração Capitão Planeta, acabou se tornando tão ansiosa e tão preocupada em ser bem-sucedida a todo custo, nem que só aparentemente, pra mostrar nas redes sociais?

Faz um tempo fiquei bem espantada com a repentina percepção de que, considerando a expectativa de vida média, eu estou em menos da metade do caminho. Que é bem provável que eu chegue a ser uma velhinha, claro, se alguma fatalidade não acontecer nesse meio tempo – e já fui atropelada por um fucking ônibus, então sei bem como o acaso pode interferir.

Isso significa que eu tenho um tempão para me construir e que nenhuma idade, nem 60, nem 75, nem 100, carrega essa cobrança de que se cheguei ali então preciso ser alguém, pronta, formada, bem-sucedida.

Assistindo a Grace & Frankie pude entender melhor esse sentimento. Porque veja, a série é protagonizada por duas senhoras na casa dos 70 anos, que longe de encarnar os estereótipos da velhice, acabam tendo que se reinventar depois de uma baita reviravolta em suas vidas, com seus respectivos maridos se assumindo gays.

Eu poderia falar um tantão sobre por que esse seriado é maravilhoso e por que todo mundo deveria assistir, mas FOCO: o que essas duas personagens incríveis me mostram é que nunca chegaremos a uma idade em que seremos aquele ideal que a gente gostaria de ser ou que os outros dizem que deveríamos ser. Não existe tal ponto estático no “ser”. Picota e joga fora essa ideia, tal qual Frankie.

gif da Frankie fazendo no ar um gesto de rasgar papel imaginário e jogar para cima

Somos feitos de água. É bom lembrar disso toda vez que acharmos que já estamos prontos ou que não temos jeito. Água é maleável e muda para diversos formatos e estados durante sua trajetória – assim somos nós.

Então sim: é muito louco começar a ver um filme e perceber que aquela atriz fazendo papel de mãe parece até a Alicia Silverstone, espera, é a Alicia Silverstone; e aí ficar meio perplexa fazendo contas e pensando que não pode ser, que dia desses ela era a patricinha de Beverly Hills e sendo xóvem rebelde em clipe de Aerosmith, mas lá está ela, sendo mãe de criança grande.

Ou então ver a Winona Ryder fazendo papel de mãe de adolescente, sendo que dia desses ela estava fazendo a minazinha do Edward Mãos de Tesoura. Com o bônus de, numa série cheia de referências a jogos e filmes e músicas que foram importantes na minha formação nos anos 90 (que foi quando os anos 80 chegaram ao Brasil), eu acabar me identificando bem mais com as mães do que com os jovens.

E é o momento em que tenho que cuidar pra não ser aquela pessoa “ah, vocês jovens”, porque “na minha época era assim” ou “você ainda vai entender”, porque é reação automática de envelhecer e também sintoma de que estou olhando demais pra quem está vindo, o que não é bom; porque comparação nunca é bom e afinal reforça o sentimento de que eu deveria ter chegado a algum lugar pra pensar que enfim sou alguém que pode falar nesse tom com os mais novos.

(parece até que “bem, a vida tá uma MERDA, mas alguma vantagem tenho que ter nesse negócio de envelhecer, então deixa eu dizer para esses novinhos como é que se faz, mesmo que eu também não tenha ideia do que tô fazendo”)

Uma coisa que eu não fazia ideia quando eu era criança era o que significava ser balzaquiana. Nome gozado, eu achava (perceba que eu tinha idade para não ver nada de mais em usar a palavra “gozado” para se referir a coisas engraçadas; porque às vezes a gente envelhece e só fica mais boboca).

Soava como alguém vindo de outro planeta: balzaquiana, como marciana, jupiteriana, venusiana. Então eu imaginava que era um planeta meio Ilha de Lesbos, habitado apenas por amazonas mais velhas, com cabelos e roupas bem parecidas com a de Tina Turner em A Cúpula do Trovão, que haviam alcançado um conhecimento muito antigo e secreto e por isso tornaram-se seres mais evoluídos – e de quebra mais sensuais, seguras de si, poderosas.

Imagem da Tina Turner em A Cúpula do Trovão: uma vasta cabeleira branca, uma roupa metálica, como cota de malha, com enormes ombreiras, fazendo pose de guerreira enquanto segura uma pistola prateada
eis como eu imaginava uma alienígena balzaquiana

Um dia, as meras humanas como eu, depois de chegar a determinado nível de conhecimento, seriam descobertas e convocadas pelas balzaquianas para ir morar em seu planeta, protegendo todo esse conhecimento sobretudo dos homens, o que explicaria porque só seres do gênero feminino habitavam esse mundo.

E eu entraria em uma nave balzaquiana, bem parecida com aquela que a Xuxa usava nos anos 80, e acenaria para a Terra e para tudo o que deixei para trás, enquanto a porta da espaçonave se fecharia envolta em fumaça. Adeus, humanidade, adeus! E assim, ZUM sumiria no espaço.

Com o tempo, descobri que balzaquiana tinha a ver com um livro escrito por um senhor chamado Balzac, sobre mulheres de trinta anos. Achei meio decepcionante, na verdade, e preferi não saber mais sobre o tal livro para manter na minha imaginação toda aquela história de alienígenas amazonas. Muito mais legal.

Mas eu estava certa quanto à nave, pelo menos. Porque, enquanto vivemos, não só a Terra gira sob nossos pés, como avança no espaço a uma velocidade estonteante. Mais do que a nossa casa, é a nossa espaçonave.

A Terra, como nós, está em movimento. Ela está aí há 4,5 bilhões de anos, avançando no espaço, e ainda não chegou a lugar nenhum. Por que nós, em 30 ou 50 ou 70 anos, deveríamos chegar a algum lugar?

Se traçarmos uma linha para marcar a trajetória que nosso planetinha fez durante o espaço de tempo de uma vida, a nossa vida, veremos uma fração mínima da linha que a Terra já traçou e ainda traçará no espaço.

Não vivemos tempo o suficiente para acompanhar a Terra num longo trecho de sua jornada. Tampouco viveremos o suficiente para ver onde a Terra vai parar, se parar. Temos apenas o privilégio de acompanhar um trecho bastante curto percorrido por nossa gigante nave azul, mas, em compensação, temos uma tremenda vista, se olharmos para o céu ao escurecer.

Estamos SEMPRE no meio do caminho.

Como disse Vsauce: “você não comprou uma passagem para essa jornada, seus pais te colocaram nessa sem você pedir; no entanto, essa é, literalmente, a viagem da sua vida”.

Então, não importa qual seja a sua idade, esqueça a pressão de ter um destino final. Apenas aproveite a viagem.


 

O machismo das ausências


Recebo alguns pedidos de entrevista para falar de literatura (eba) mas só me perguntam de feminismo (fuén). Aí uma das perguntas que mais fazem é: “você já sofreu machismo no meio literário?”

Mas nenhuma pergunta sobre o que estou escrevendo, sobre o livro que estou lançando, sobre minhas histórias e meus personagens. Nada. E não entendem que é justamente esse o ponto: o machismo está nas perguntas que não me fazem. Nas oportunidades que nem tenho como apontar porque não existem.

Escrevi sobre isso no texto da semana na Carta Capital, aproveitando que no dia 25 de julho foi Dia do Escritor (mas aparentemente não da escritora): o machismo das ausências.

Imagem da edição polonesa de "Waves" de Virginia Woolf, ao lado de uma xícara de chá, onde o líquido tremula suavemente

 

Cantinho da leitura


Promossauro


Meu e-book Pequenas Tiranias, uma trilogia de contos sobre o absurdo do cotidiano, está com 56% de desconto na Loja Kobo!

E, se você usa Kindle, são os últimos dias de promoção na Amazon.

Mais barato que uma passagem de metrô em SP. Mas não vai perder, porque esse precinho camarada vai passar mais rápido que um dinossauro num trenó:

gif animado de um dinossauro roxo de cachecol descendo uma encosta de neve num trenó, em grande velocidade. Ele está com a língua de fora e um catarrinho escorre de suas narinas contra o vento.


 

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Tenho energia e ideias para escrever muita coisa, por um bom tempo. Mas só poderei continuar esta newsletter ou escrever meu próximo romance enquanto eu puder contar com o apoio e o financiamento dos leitores que acreditam no que estou fazendo. E ainda bem que eles existem e estão aí <3

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Aline Valek
Caixa Postal 11040
São Paulo – SP
CEP 05422-970

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Trinta beijos,

Aline Valek

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